Há elogios rasgados ao Campeonato Brasileiro deste ano por conta de sua emoção e de sua imprevisibilidade, mas, como de costume, eu irei na contramão. Faltando três rodadas para o final do torneio, os dois primeiros colocados são justamente os dois grandes favoritos desde o início: Palmeiras e Flamengo. Times endinheirados, com grandes elencos e bons treinadores, que se dedicaram mais na temporada a copas que acabaram perdendo. Entraram para valer na disputa pelo título do Brasileiro porque o Botafogo protagonizou a maior pipocada que eu já vi em pontos corridos. Tinha 13 de vantagem sobre o segundo colocado, bateu o recorde pontos no primeiro turno, tinha confrontos diretos em casa na reta final e, mesmo assim, sucumbiu em partidas-chave e em jogos em que era bastante favorito. Não há troca de técnico nem queda de produção de jogadores que possa explicar essa derrocada alvinegra que deixa no chinelo o que já fizeram Arsenal, Borussia Dortmund e alguns outros clubes do futebol europeu que ficaram várias rodadas na ponta e depois entregaram.
Hoje, muitos acreditam mais no Atlético-MG, quarto colocado, do que no Botafogo, atual terceiro e correndo o risco sério de ficar fora do G4 devido à sua fraqueza mental que o leva a tomar vários gols no início e no final das partidas. Só que o Galo, o líder do segundo turno (o Fogão é apenas o antepenúltimo podendo ser superado pelo Goiás ainda), precisa vencer todos os seus jogos, que não são fáceis, e ainda torcer por dois tropeços do Palmeiras para ser campeão. E a tabela do Verdão é bastante animadora: faz dois jogos no Allianz Parque (não mais em Barueri) contra o já rebaixado América-MG e contra o desmobilizado Fluminense (pensando mais agora no Mundial de Clubes) e um jogo como visitante sem torcida diante do Cruzeiro (que pode já chegar à última rodada do campeonato já rebaixado ou já salvo do descenso. Muito difícil imaginar que o Palmeiras de Abel Ferreira, tão forte mentalmente, não faça os 9 pontos nos jogos finais, ainda mais depois da virada heroica contra o Botafogo (4 a 3) e o empate com um a menos diante do Fortaleza no Castelão (2 a 2) neste final de semana. O Verdão não é o Manchester City nem o Bayern de Munique, mas foi resiliente o bastante para ultrapassar o Botafogo e deve até abrir na ponta em relação ao clube da Estrela Solitária, que, para piorar, tende a ficar atrás na tabela do maior rival: o Flamengo.
O rubro-negro está embalado nesta reta final com Tite e sem Gabigol, mas tem dois jogos complicados (Atlético-MG em casa agora e São Paulo no Morumbi na rodada final) e um saldo de gols bem inferior ao do Palmeiras (hoje a diferença é de nove gols, algo quase impossível de ser tirado, ainda mais com o Verdão tendo a chance de golear o América-MG em sua casa). Eu até acredito que é possível o Flamengo fazer os nove pontos nas três rodadas finais, mas não depende apenas de si na verdade. O Palmeiras pode ser campeão no final das contas porque fez 5 a 0 no São Paulo e porque o Flamengo levou 4 a 0 do Bragantino (eis a diferença hoje de saldo). Teríamos campeão e vice com 72 pontos, uma pontuação até baixa pensando nos campeões do passado na era dos pontos corridos e considerando também o potencial dos elencos de Palmeiras e Flamengo e seus treinadores. Tite pode lamentar as derrotas para o Grêmio (sem Suárez) e para o Santos (sem Marcos Leonardo), além do empate com o rival Fluminense na ressaca da Libertadores. Lembro ainda que Tite não assumiu o Mengão para o jogo contra o Corinthians em Itaquera, o que talvez possa desequilibrar a balança também (o Flamengo perdeu dois pontos diante do querido time de Tite).
O palmeirense realista sabe que seu time está com as duas mãos na taça neste momento, seja pela confiança que tem na sua equipe e no poder de motivação de sua comissão técnica, seja pela tabela bastante favorável. Mas eu tenho que lembrar aqui da declaração infeliz do principal auxiliar de Abel Ferreira após o empate com o Athletico em 2 a 2. João Martins falou ali da existência de um “sistema” para impedir do Palmeiras de ser bicampeão genuíno neste ano. O que ele vai falar se o Verdão conquistar mais uma edição do Campeonato Brasileiro? Ele vai se desculpar por ter colocado em xeque a lisura da competição? Se o Palmeiras perder algum jogo agora, ainda mais com algum erro de arbitragem, o auxiliar João Martins ou o próprio Abel vão acusar de novo que o campeonato está “inquinado” (manchado), coisa que ele falou do Campeonato Paulista de 2022 antes do jogo final em que superou o Tricolor do Morumbi com 4 a 0 categórico no Allianz Parque?
Há muita história mesmo para contar neste campeonato de 2023. Algumas são épicas para um lado e trágicas para o outro. Há lições de superação e de recuperação, tanto na parte de cima quanto na parte de baixo da tabela, e há um exemplo singular de como se perder mentalmente uma disputa. Esse belo roteiro, no entanto, acontece praticamente em quase todos os anos (apenas não na proporção do que fez agora o Botafogo). Todo campeonato produz uma série de histórias e diversas reflexões. A edição deste ano certamente vai render livros, DVDs, crônicas e reportagens para a eternidade. Assim como acontece em todas as temporadas. “Há coisas que só acontecem com o Botafogo” não é de agora.
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